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A responsabilidade civil dos sindicatos perante cláusula de instrumento coletivo negociado que exclui ou reduz as horas in itinere

por Becker Direito Empresarial
04 de Agosto, 2016

1 Por Danielle Vicentini Artigas

Advogada especialista em Direito do Trabalho e Governança Trabalhista, coordenadora da área Trabalhista do escritório Becker Flores Pioli Kihino Direito Empresarial e Presidente do IBGTr - Instituto Brasileiro de Governança Trabalhista

1. INTRODUÇÃO O presente artigo visa discutir a possibilidade de responsabilização dos Sindicatos na elaboração de cláusula de instrumento coletivo que permite a redução ou exclusão do tempo das horas in itinere dos empregados, quando esta situação trouxer prejuízos aos envolvidos. Faz-se uma breve explanação sobre a responsabilidade civil e seus elementos e sobre a diferença entre a responsabilidade civil subjetiva e objetiva. Discorre-se ainda, sobre a Negociação Coletiva adentrando à possibilidade de flexibilização dos direitos trabalhistas e em específico das horas in itinere. Quanto à redução e/ou retirada do direito às horas in itinere, verifica-se que em um primeiro momento, o responsável pelo prejuízo sofrido pelo empregado seria o empregador, que deve cumprir a cláusula sob pena de sofrer penalidades administrativas e até mesmo judiciais. No entanto, não se pode esquecer que os Sindicatos, até mesmo de forma direta, foram os idealizadores da cláusula do instrumento coletivo considerada como prejudicial e, portanto, eles devem ser responsabilizados subjetivamente e de forma solidária pelos prejuízos sofridos.   2. RESPONSABILIDADE CIVIL A Consolidação das Leis do Trabalho não traz qualquer norma referente à teoria da responsabilidade civil do empregador, elencando apenas direitos trabalhistas que devem ser respeitados na execução do contrato de trabalho. Diante da omissão da CLT em relação à responsabilidade civil, seu art. 8ª autoriza sejam aplicadas as disposições do direito comum, notadamente aquelas do Código Civil Brasileiro. O Direito objetiva a tutela de direitos individuais e coletivos e a responsabilidade civil visa recompor o equilíbrio quebrado e a redistribuição da riqueza conforme os ditames das normas jurídicas postas. Os artigos 927 e 954 do Código Civil tratam do tema proposto como parte integrante do Direito Obrigacional. A aplicação das normas e princípios de responsabilidade civil tem como conseqüência a imposição da obrigação de ressarcir através do pagamento de uma indenização a alguém cujo direito ou interesse foi atingido em face da prática de um ato. Assim sendo, nasce para a vítima o direito à reparação do dano, respondendo o agente por meio do seu patrimônio. Neste sentido, responsabilidade civil consiste na obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam. No Brasil, o Código Civil de 1916 dedicou poucos artigos à responsabilidade civil e, mesmo assim, o fez de forma assistemática. Talvez a postura do legislador da época tenha sido o reflexo da pouca difusão das ideias a respeito do tema quando da elaboração de tal diploma. O Novo Código Civil, por sua vez, sistematizou o tema, dispondo um capítulo especial sobre a matéria. Contudo, fez poucas inovações. Na verdade, repetiu alguns artigos da lei anterior, modificou a redação de outros e consolidou temas já enraizados na jurisprudência e na doutrina. A evolução no cenário internacional e nacional do tema responsabilidade civil, mostrou a face dinâmica e flexível deste instituto, capaz de acompanhar o desenvolvimento social, sempre com o escopo de buscar soluções que visam o restabelecimento da harmonia e do equilíbrio desfeito pela ocorrência do dano. Seu objetivo maior é não deixar a vítima irressarcida, sendo este o entendimento unânime tanto na doutrina quanto na jurisprudência. A responsabilidade civil é tema de grande discussão, mormente porque possui vários desdobramentos. Segundo a melhor doutrina civilista, seriam essenciais para que determinada pessoa possa ser responsabilizada por dado acontecimento os seguintes elementos: conduta (ilícita), dano, nexo de causalidade e culpa. As partes (conceitos) integrantes e formadoras da responsabilidade civil podem ser deslocados do seu conceito lato em direção a temas específicos, como, por exemplo, para a negociação coletiva de trabalho.   2.1 DA CONDUTA (ILÍCITA) NA NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO A conduta surge geralmente de um ato omissivo, ou melhor, do descumprimento de uma regra preestabelecida por meio de uma determinação legal e que se incorpora ao pacto laboral na forma de cláusula implícita. No tocante ao primeiro requisito da responsabilidade civil, a doutrina de Pablo Stolze[1] assim nos ensina:   Em outras palavras, a voluntariedade, que é pedra de toque da noção de conduta humana ou ação voluntária, primeiro elemento da responsabilidade civil, não traduz necessariamente a intenção de causar o dano, mas sim, e tão-somente, a consciência daquilo que se está fazendo. E tal ocorre não apenas quando estamos diante de uma situação de responsabilidade subjetiva (calcada na noção de culpa), mas também de responsabilidade objetiva (calcada na idéia de risco), porque em ambas as hipóteses o agente causador do dano deve agir voluntariamente, ou seja, de acordo com a sua livre capacidade de auto-determinação. Nessa consciência, entenda-se o conhecimento dos atos materiais que se está praticando, não se exigindo, necessariamente, a consciência subjetiva da ilicitude do ato.   Algumas classificações agregam ao conceito de conduta humana a ilicitude, no entanto, poderão ocorrer casos em que haverá a responsabilidade civil sem necessariamente haver ilicitude, ainda que excepcionalmente, por força de norma legal. Os Sindicatos quando representam em âmbito coletivo uma determinada categoria, têm o dever de agir de boa-fé, reivindicando benefícios estritamente ligados com o bem-estar de seus representados. Assim, caso os Sindicatos celebrem cláusulas que deliberadamente prejudiquem os envolvidos, sem qualquer contraprestação coletiva em benefício destes, estarão praticando uma conduta ilícita. A conduta dos Sindicatos, no entanto, deve ser analisada levando-se em consideração o conglobamento da norma coletiva produzida, sendo que em uma Convenção Coletiva de Trabalho, por exemplo, podem existir cláusulas flexibilizadoras de direitos que, isoladamente, podem ser tidas como ilícitas, mas que, na análise do todo negociado, representam concessão para a obtenção de uma vantagem maior para a categoria representada.   2.2 DO DANO ORIUNDO DOS INSTRUMENTOS COLETIVOS O segundo elemento caracterizador da responsabilidade civil é o dano, que consiste na diminuição que determinado indivíduo sofre na esfera dos direitos, sejam eles patrimoniais ou não. Certamente tanto os empregados quanto os empregadores sofrerão prejuízos diante de normas coletivas ilícitas. Os primeiros terão suprimidos alguns de seus direitos na execução de seu contrato de trabalho e os segundos podem sofrer impactos mediatos por meio de fiscalizações e aplicações de multas pelo descumprimento do que foi pactuado, além das condenações a que ficarão sujeitos caso obedeçam às normas ilícitas firmadas no âmbito coletivo. Não basta, entretanto, a prática de um ato ilícito e a existência de um dano para que exista a responsabilização civil, é necessária também a presença do nexo de causalidade, que seria a relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado.   2.3  NEXO DE CAUSALIDADE  Serpa Lopes entende que o nexo de causalidade é o elemento mais complexo da responsabilidade civil, consoante se depreende deste trecho de sua obra:   Uma das condições essenciais à responsabilidade civil é a presença de um nexo causal entre o fato ilícito e o dano por ele produzido. É uma noção aparentemente fácil e limpa de dificuldade. Mas se trata de mera aparência, porquanto a noção de causa é uma noção que se reveste de aspecto profundamente filosófico, além das dificuldades de ordem prática, quando os elementos causais, os fatores de produção de um prejuízo, se multiplicam no tempo e no espaço[2].   Dallegrave Neto[3], por sua vez, conceitua o nexo causal no âmbito trabalhista da seguinte forma:   Nexo causal é a relação de causalidade entre o dano e o ato culposo do empregador caracterizado pelo descumprimento das normas de saúde ao trabalhador. Nos casos especiais de responsabilidade civil objetiva, o nexo causal se configura pela relação etiológica entre o dano da vítima e a atividade empresarial perigosa ou de risco. Assim, não basta ao empregado provar que a empresa contém áreas ou setores de risco, mas que o dano emergiu em uma dessas áreas especiais. Por exemplo: um empregado que foi vítima de uma explosão no trabalho terá que provar a culpa patronal (responsabilidade subjetiva) ou que o sinistro estava dentro da área de risco previsível (responsabilidade objetiva). Como se vê, o nexo causal sempre terá que ser provado pela vítima.     Na negociação coletiva há um nexo causal duplo, que liga o dano do empregado tanto à pessoa do empregador como aos entes sindicais (patronal e laboral). Assim, quem imediatamente comete o dano é o empregador ao cumprir a norma considerada ilícita, porém, ainda que de forma indireta, os sindicatos que assinam as normas coletivas contribuem com a causalidade adequada para a produção desse dano. Não se pode negar que existe uma ligação entre a atuação do Sindicato e o dano sofrido pelo empregado, sendo que se não fosse a negociação malfeita, o dano provavelmente não teria sido gerado pelo empregador. Entenda-se que não foi o empregador quem criou a norma que violou o direito do trabalhador, foram os Sindicatos. O empregador funcionou como instrumento para que a violação se concretizasse. Desta feita, o liame entre o dano sofrido e a conduta ilícita realizada pelo Sindicato é evidente. Nesta esteira, o empregador não poderia ser considerado como o único responsável pelo dano sofrido.   2.4 CULPA A responsabilidade civil pode ser objetiva ou subjetiva. A subjetiva tem por fundamento o dolo ou a culpa do sujeito que cometeu um ato e causou danos a terceiros. Por outro lado, na responsabilidade civil objetiva basta que haja o dano e o nexo de causalidade para surgir o dever de indenizar, sendo irrelevante a conduta culposa ou não do agente causador. A responsabilidade civil subjetiva se esteia, pois, na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se este agiu com dolo ou culpa. Os pressupostos da responsabilização subjetiva, quais sejam: o dano (supressão de um direito previsto em norma coletiva), o nexo de causalidade do evento com a relação de trabalho e a culpa, estão previstas no artigo 186 do Código Civil e a indenização correspondente no artigo 927 do mesmo diploma legal, com apoio constitucional previsto no artigo 7º inciso XXVIII da Magna Carta. Ressalta-se que o ônus da prova simultânea de todos os requisitos acima mencionados cabe ao autor, e não restando os mesmos comprovados, este não fará jus à indenização. Em âmbito negocial os Sindicatos tem a obrigação constitucional de representar os interesses dos membros de sua categoria e esta representação deve ser feita com observância ao Princípio da Boa-Fé e sempre objetivando a defesa dos interesses coletivos da categoria. Partindo desse pressuposto, quando os Sindicatos negociam de forma desvinculada do bem-estar coletivo, agem com culpa, que é configurada justamente neste desinteresse, na negligência para com a categoria por eles representada, sem falar na sua falta de comprometimento para com toda a sociedade. Nessa esteira, Cavalieri Filho preleciona que “cada um dos agentes que concorrem adequadamente para o evento é considerado pessoalmente causador do dano e, consequentemente, obrigado a indenizar”[4].  Desta feita, a culpa derivada da má-fé negocial, pode até mesmo ser presumida nos casos em que são elaborados Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho que nada beneficiam os interesses da categoria.   3. A NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO A Negociação Coletiva de Trabalho é entendida por Cassar como a “base de formação do Direito do Trabalho, pois se caracteriza como atividade típica de toda estrutura do direito[5]”. O texto da Convenção nº 154, de 1981, da OIT, define negociação coletiva no seu artigo 2º, como sendo[6]:   todas as negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um empregador, um grupo de empregadores ou uma organização ou várias organizações de empregadores, e, de outra parte, uma ou várias organizações de trabalhadores, com o fim de fixar as condições de trabalho e emprego, regular relações entre empregadores e trabalhadores ou regular as relações entre os empregadores ou suas organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores, ou alcançar todos estes objetivos de uma vez.       A Constituição Federal de 1988, através do seu artigo 8º, adotou a postura recomendada pela Organização Internacional do Trabalho concedendo ao Sindicato participação obrigatória na negociação coletiva de trabalho. A Convenção nº 154 da OIT assinala também, que a negociação coletiva somente funcionará eficazmente se for dirigida com absoluta boa-fé pelas partes, tanto no ato da negociação em si como no cumprimento do que foi acordado. Delgado define a negociação coletiva como uma das formas de solução de conflitos coletivos trabalhistas sob a modalidade de autocomposição por meio da qual as partes conflitantes solucionam controvérsia de índole coletiva de modo consensual, por meio de acordos e convenções coletivas, que se manifestam por meio de normas coletivas de trabalho[7]. Insta ressaltar que existem várias hipóteses em que a Lei autoriza a flexibilização dos direitos dos trabalhadores por meio da negociação coletiva, como é o caso, por exemplo, da diminuição do salário e da duração da jornada de trabalho previstos no artigo 7º, incisos VI, XIII e XIV da Constituição de 1988; da participação nos lucros e resultados da Lei n 10.101/00; da adoção do trabalho em regime de tempo parcial do art. 58-A da CLT e do banco de horas previsto no art. 59, parágrafo 2º, da CLT. As Súmulas do TST também versam sobre flexibilização de direitos por negociação coletiva: a Súmula nº 85 versa sobre a compensação de jornada (também pode ser feito por acordo individual escrito); a Súmula nº 423, sobre turno ininterrupto de revezamento e a Súmula nº 444, sobre a escala 12×36 na jornada de trabalho. Em alguns casos, no entanto, existem limitações legais ou jurisprudenciais à flexibilização quando ela decorre de negociação coletiva, é o caso das horas in itinere previstas no parágrafo 3º do art. 58 da CLT.   4. DAS HORAS IN ITINERE As horas in itinere são consideradas extras, no entanto, são realizadas fora do trabalho, no trajeto de casa para o trabalho ou do trabalho para casa. Elas foram instituídas legalmente na Consolidação das Leis do Trabalho, quando o artigo 58, parágrafo 2º foi alterado pela lei 10.243 de 19/06/2001. A edição da lei foi resultado da compilação de decisões de tribunais trabalhistas e da Súmula 90 do Tribunal Superior do Trabalho. A Súmula nº 90 do TST possui a seguinte redação:   HORAS “IN ITINERE”. TEMPO DE SERVIÇO I – O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, e para o seu retorno é computável na jornada de trabalho. II – A incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada do empregado e os do transporte público regular é circunstância que também gera o direito às horas “in itinere”. III – A mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento de horas “in itinere”. IV – Se houver transporte público regular em parte do trajeto percorrido em condução da empresa, as horas “in itinere” remuneradas limitam-se ao trecho não alcançado pelo transporte público. V – Considerando que as horas “in itinere” são computáveis na jornada de trabalho, o tempo que extrapola a jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo.     Alguns tribunais entendem que as horas in itinere não poderão ser suprimidas por negociação coletiva[8], mas podem ser arbitradas pelas partes pela média da duração das horas de percurso[9], desde que esse arbitramento não se mostre muito inferior ao tempo real dele[10]. Com relação à redução do tempo, o Tribunal Superior do Trabalho tem o entendimento de que se a diferença entre o tempo de percurso e o tempo pago em razão da norma coletiva não exceder a 50%, admite-se a flexibilização pela via negocial, vejamos:   RECURSO DE REVISTA. 1. HORAS IN ITINERE. LIMITAÇÃO POR NORMA COLETIVA . A SDI-1 desta Corte fixou a tese de que, além das hipóteses de supressão total, também a redução desproporcional do direito às horas in itinere configura a invalidade na norma coletiva. E, não obstante a dificuldade em se estabelecer um critério pautado na razoabilidade para, em função dele, extrair a conclusão acerca da validade ou da invalidade da norma coletiva, fixou-se um critério de ponderação, segundo o qual, se a diferença entre o tempo de percurso e o tempo pago em razão da norma coletiva não exceder a 50%, admite-se a flexibilização pela via negocial. In casu, verifica-se do acórdão regional que o tempo de percurso diário era de 2 horas e 40 minutos e que a cláusula coletiva prefixou as horas in itinere em 40 minutos diários. Nesse contexto, não afronta o art. 7º, XXVI, da Constituição da República a decisão que desconsidera cláusula de acordo coletivo de trabalho a qual prevê a limitação do pagamento das horas in itinere fora do patamar da razoabilidade . Recurso de revista não conhecido. 2. HORAS EXTRAS. ÔNUS DA PROVA. (…) (TST – RR: 14246120125060391  , Relator: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 25/02/2015, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/02/2015).   Em outro acórdão o TST, levando em consideração o Princípio do Conglobamento e mais uma vez prestigiando a negociação coletiva de trabalho, validou cláusula de CCT que retirava o direito de percepção de horas extras por hora in itinere porque este foi compensado por outras cláusulas que beneficiaram os trabalhadores:   CLÁUSULAS PREVISTAS EM CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO. HORAS IN ITINERE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONGLOBAMENTO. A Constituição Republicana em vigor reconhece e prestigia a negociação coletiva como resultado da autonomia privada coletiva, como se infere do inciso XXVI de seu art. 7º. Contudo, só é legitimado a ponto de merecer proteção constitucional o instrumento coletivo – CCT ou ACT – que, no conjunto de suas cláusulas, contempla vantagens salariais, conquistas de direitos não garantidos por normas estatais ou melhorias das condições de trabalho. Caso contrário, não são atendidos os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil delineados na Lei Maior em vigor, como a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem-estar de todos (incisos III e IV do art. 3º). Além disso, também não fica atendida a exigência constitucional de conquista de melhorias das condições sociais dos trabalhadores urbanos e rurais recomendadas no caput do art. 7º da mesma Lei Superior. No caso dos autos, a norma coletiva pactuada entre a empresa reclamada e o ente sindical da categoria profissional obreira faculta à empregadora a possibilidade de fornecer o transporte gratuito aos seus empregados, sem que isso gere direito ao recebimento das horas in itinere. Em contrapartida, o conjunto normativo concede outros benefícios ao trabalhador, como piso salarial superior ao estabelecido pelas normas heterônomas e adicional de horas extras superior ao estipulado na CLT. Neste caso, levando-se em conta o princípio do conglobamento, não merece reforma a sentença que validou a negociação coletiva pactuada. (TRT-23 – RO: 1115201002223003 MT 01115.2010.022.23.00-3, Relator: DESEMBARGADOR EDSON BUENO, Data de Julgamento: 07/06/2011, 1ª Turma, Data de Publicação: 08/06/2011)   As recentes decisões do Tribunal Superior do Trabalho, no entanto, são no sentido de considerar inválida a cláusula de Convenção Coletiva de Trabalho que suprime o direito à percepção das horas in itinere, conforme prelecionam os acórdãos a seguir:   AGRAVO DE INSTRUMENTO. RITO SUMARÍSSIMO. HORAS IN ITINERE. NORMA COLETIVA. SUPRESSÃO. INVALIDADE. PROVIMENTO. Merece provimento o agravo de instrumento quando demonstrada possível contrariedade à Súmula 90 desta c. Corte. RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO. HORAS IN ITINERE. NORMA COLETIVA. SUPRESSÃO. INVALIDADE. O reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, previsto no artigo 7º, XXVI, da Carta Magna, não autoriza que por meio destes instrumentos seja promovida a simples supressão de direitos e garantias legalmente assegurados. No caso em exame, as normas coletivas objeto de discussão, subtrairam direito do empregado assegurado em norma cogente, qual seja, o artigo 58, § 2º, da CLT. A situação dos autos não encontra amparo no ordenamento jurídico, que não contempla a supressão, mediante acordo ou convenção coletiva, de direitos trabalhistas protegidos por norma legal de caráter cogente. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – RR: 17909720135030052, Relator: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 25/03/2015, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/03/2015) RECURSO DE REVISTA 1 – HORAS EXTRAS. MINUTOS RESIDUAIS. FLEXIBILIZAÇÃO POR NORMA COLETIVA. IMPOSSIBILIDADE. “A partir da vigência da Lei nº 10.243, de 19.06.2001, que acrescentou o § 1º ao art. 58 da CLT, não mais prevalece cláusula prevista em convenção ou acordo coletivo que elastece o limite de 5 minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho para fins de apuração das horas extras.”. Inteligência da Súmula 449 do TST. Recurso de revista não conhecido. 2 – HORAS IN ITINERE. SUPRESSÃO. NORMA COLETIVA. INVALIDADE. Esta Corte já consolidou o entendimento de não ser possível que o instrumento coletivo proceda à supressão total do direito do trabalhador às horas in itinere, previsto no art. 58, § 2.º, da CLT, por se tratar de norma cogente. No caso concreto, a norma coletiva firmada previu a supressão total das horas in itinere, o que, na verdade, tratou-se de inequívoca renúncia ao direito à percepção das horas in itinere, promovida pelo sindicato, em detrimento dos interesses dos trabalhadores aos quais deveria defender. Assim, correta a decisão regional que, ante a incompatibilidade entre o transporte público e o horário de trabalho da autora, determinou o pagamento das horas in itinere. Recurso de revista não conhecido.(TST – RR: 9908720115030101  , Relator: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 20/05/2015, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/05/2015)   A tendência, portanto, é que a supressão do direito às horas in itinere gere condenação judicial do empregador caso o instrumento coletivo negociado não traga ao trabalhador mais vantagens do que desvantagens.   5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Negociação Coletiva de Trabalho necessita, portanto, ser pautada pelo Princípio da Boa Fé para que a elaboração de instrumento coletivo não fira os direitos dos envolvidos (empresas e trabalhadores), sob pena de se verem anuladas as cláusulas viciadas, com a respectiva responsabilização do Sindicato representante da categoria econômica e do Sindicato representante da categoria profissional. Desta feita, os julgados acima transcritos versam sobre situações em que o simples cumprimento pelas empresas de cláusula de convenção coletiva de trabalho e sua aplicação ao contrato de trabalho dos seus empregados, pode lhe trazer implicações e condenações judiciais, gerando prejuízo tanto para ele, empregador, quanto para os empregados que tiveram os seus direitos violados. Considerando que o art. 942 do Código Civil em sua parte final prevê que se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação, os Sindicatos (patronal e laboral), de acordo com esse comando legal, são também responsáveis solidários pelos prejuízos gerados aos trabalhadores da respectiva categoria. A solidariedade, nesse caso, acontecerá entre o empregador e os envolvidos na assinatura do pacto coletivo. Tratando-se, pois, de convenção coletiva de trabalho, existirão tantos responsáveis quantos forem os signatários do instrumento coletivo. Nessa linha, se o empregador for condenado judicialmente a pagar um determinado valor pela nulidade de cláusula de instrumento coletivo que preveja a retirada ou a redução do direito às horas in itinere, a empresa estará apta a ingressar com ação regressiva, cobrando dos Sindicatos signatários do documento coletivo negociado a sua cota de responsabilidade. A responsabilidade, nesse caso, é subjetiva e deverá conter todos os elementos que a compõe, ou seja, a conduta ilícita, o dano, o nexo de causalidade e a culpa. A responsabilização dos Sindicatos pelo conteúdo pactuado nas negociações coletivas faria com que esses entes tivessem mais cautela e uma preocupação efetiva com a categoria que representam. Pautando-se sempre na boa-fé e na transparência, os sindicatos responsáveis contribuiriam para que os Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho atinjam seus principais objetivos: a flexibilização da legislação de forma regrada, o aumento da produtividade das empresas e melhores condições de vida ao trabalhador.
 
[1] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume III: responsabilidade civil/ Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho.- 4. ed. rev. atual. e reform.- São Paulo: Saraiva, 2006. p.28  
[2] MIGUEL, Maria de Lopes, Curso de Direito Civil-Fontes Acontratuais das Obrigações e Responsabilidade Civil, 5. Ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001, v.V, p.218
[3] DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no direito do trabalho – 2.ed.- São Paulo: LTr, 2007.p.216
[4] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 6 edição, 2006.p.86
[5] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus, 1ª edição, 2007, p. 1229
[6] OIT. Fomento à Negociação Coletiva. Disponível em:  http://www.oitbrasil.org.br/node/503. Acesso em: 10/10/2015.
[7] DELGADO, Mauricio Godinho, Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, LTR, 2014.p.1347
[8] Em sentido contrário: TRT 5ª Região. Processo nº 0001682-95.2010.5.05.0641. Data de publicação: 19/04/2013.  Relator: Des. Sônia França.
[9] Minas Gerais. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Processo nº 0001831- 76.2011.5.03.0103 RO. Data de publicação: 18/03/2013.  4ª Turma.  Relator: Julio Bernardo  do Carmo. EMENTA: NEGOCIAÇÃO COLETIVA – HORAS IN ITINERE – PACTUAÇÃO DO TEMPO DE PERCURSO QUE NÃO SE CONFUNDE COM SUPRESSÃO DE DIREITO PREVISTO EM LEI. A negociação coletiva deve ser respeitada, por força do art. 7º, XXVI, da Constituição da República, exceto quando por meio dela forem suprimidos direitos assegurados em norma de caráter público e/ou que tenham por objetivo a proteção à vida, saúde e integridade física do trabalhador [...]. Nesse mesmo sentido: Processo TRT 3ª Região. Processo nº 0000085- 33.2010.5.03.0064 RO. Data de publicação 05/04/2013. 4ª Turma. Relator: Taisa Maria M. de Lima.
[10] Minas Gerais. TRT 3ª Região. Processo nº 0000869- 08.2012.5.03.0042 RO. Data de publicação: 15/03/2013. 7ª Turma. Relator: Marcelo Lamego Pertence. EMENTA: HORAS IN ITINERE. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. EXPRESSIVA SUPRESSÃO DO VALOR PAGO SOB ESSE TÍTULO. INVALIDADE.
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